quarta-feira, 22 de maio de 2013

Violência sectária visceral afasta chance de perdão nacional na Síria


Depois de arrastar 46 corpos das ruas perto de sua cidade natal na costa da Síria, Omar perdeu a conta. Durante quatro dias, relatou, ele não conseguiu comer, lembrando-se do corpo queimado de um bebê de poucos meses de idade, de um feto arrancado da barriga de uma mulher, de um amigo morto, seu cão ainda fazendo guarda a seu lado.
AP
Reprodução de vídeo mostra corpos em Bayda, Síria (03/05)

Omar sobreviveu ao que moradores, ativistas antigoverno e monitores de direitos humanos consideram um dos episódios recentes mais obscuros da guerra da Síria, um massacre na província de Tartus (dominada pelo governo), que inflamou divisões sectárias, revelou novos graus de depravação e tornou a possibilidade de recompor o país cada vez mais distante.
O assassinato em massa foi um de uma série de recentes ataques sectários que sírios em ambos os lados se aproveitam para demonizar uns aos outros. Forças do governo e rebeldes se filmaram cometendo atrocidades para o mundo ver.
Gravações rotineiramente mostram combatentes pró-governo espancando, matando e mutilando rebeldes sunitas detidos, forçando-os a se referir ao presidente Bashar al-Assad como Deus. Um rebelde recentemente se filmou extirpando um órgão de um membro das forças pró-governomorto, mordendo-o e prometeu o mesmo destino aos alauítas, membros da seita muçulmana xiita de Assad.
Esse tipo de violência alimentou o pessimismo sobre os esforços internacionais para acabar com o conflito. Enquanto os EUA e a Rússia trabalham para organizar negociações de paz no próximo mês entre Assad e seus adversários, a carnificina cada vez mais extrema faz a reconciliação parecer cada vez mais remota.
Nadim Houry, diretor do Human Rights Watch em Beirute, disse sentir "uma total desconexão entre a diplomacia e os acontecimentos no campo de batalha". "O conflito está cada vez mais visceral", afirmou. Sem medidas concretas de construção de confiança, disse, e com mais pessoas "vendo a guerra como uma luta existencial, é difícil imaginar como seriam as negociações".
As execuções recentes, reconstituídas por meio de conversas com os residentes e monitores de direitos humanos, aconteceram ao longo de três dias em dois enclaves sunitas em Tartus, província amplamente alauíta e cristã, primeiramente na aldeia de Bayda e, em seguida, no distrito de Ras al-Nabeh da cidade vizinha de Banias.
Soldados do governo e milícias de apoio foram de casa em casa matando famílias inteiras e esmagando cabeças dos homens com blocos de concreto.
Ativistas antigoverno divulgaram listas de 322 vítimas que disseram ter identificado. Vídeos mostraram ao menos mais de dez crianças mortas. Há relatos de centenas de desaparecidos.
"Como poderemos alcançar um ponto de perdão nacional?", indagou Ahmad Abu al-Khair, um blogueiro bem conhecido de Bayda. Segundo ele, os ataques começaram nessa vila, em que 800 dos 6 mil residentes estão desaparecidos.
Várias imagens de vídeo feitas pelos moradores em Bayda e em Ras al-Nabeh - de crianças pequenas mortas, algumas se abraçando ou envoltas nos braços de seus pais - eram tão duras que mesmo partidários do governo rejeitaram a versão oficial da televisão síria de que o Exército "reprimiu vários terroristas".
Líderes da oposição caracterizaram os massacres de "limpeza" sectária com o objetivo de expulsar os sunitas de um território que pode fazer parte de um eventual Estado alauíta se a Síria acabar se desintegrando. Houry disse que a matança inevitavelmente desencadeou esses temores, embora não haja evidência de que essa política seja disseminada.
Por Anne Barnard e Hania Mourtada

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